A apologética da política económica neoliberal rege-se por uma teia de conotações e associações de palavras como flexibilidade, maleabilidade, desregulamentação, reajustamentos, reformas estruturais, que tendem a fazer crer que a mensagem neoliberal é, usando as palavras de Pierre Bourdieu, “uma mensagem universalista de libertação”.

domingo, 14 de outubro de 2012

ISLÂNDIA MOSTROU O CAMINHO: RECUSAR A AUSTERIDADE



– Recusou receituário do FMI, deixou bancos falirem e condenou responsáveis pela crise 

– Por que pouco se fala da Islândia nos media portugueses que se auto-proclamam como "referência"?



Quando, em Setembro de 2008, a crise económica e financeira atingiu a Islândia – pequena ilha no Atlântico com 320 mil habitantes –, o impacto foi desastroso, tal como no resto do continente. A especulação financeira levou à falência os três principais bancos, cujo total de activos era dez vezes superior ao PIB do país. A uma perda líquida foi de 85 mil milhões de dólares. A taxa de desemprego aumentou nove vezes entre 2008 e 2010, ao passo que antes o país gozava de pleno emprego.

A dívida da Islândia representava 900% do PIB e a moeda nacional desvalorizou-se 80% em relação ao euro. O país caiu numa profunda recessão, com uma diminuição do PIB de 11% em dois anos. [1]

Diante da crise 

Em 2009, quando o governo pretendeu aplicar as medidas de austeridade exigidas pelo FMI em troca de uma ajuda financeira de 2,1 mil milhões de euros, uma forte mobilização popular o obrigou a renunciar. Nas eleições antecipadas, a esquerda ganhou a maioria absoluta no Parlamento. [2]

No entanto, o novo poder adoptou a lei Icesave – cujo nome provém do banco online que foi à bancarrota e cujos depositantes eram, na maioria, holandeses e britânicos – destinada a reembolsar os clientes estrangeiros. Essa legislação obrigava os islandeses a reembolsarem uma dívida de 3,5 mil milhões de euros (40% de seu PIB) – nove mil euros por habitante – ao longo de quinze anos e com uma taxa de juros de 5%. Diante dos novos protestos populares, o presidente recusou-se a promulgar a lei aprovada pelo parlamento e submeteu-a a um referendo. Em Março de 2010, 93% dos islandeses recusaram a lei do reembolso das perdas do Icesave. Quando submetida novamente a referendo, em Abril de 2011, 63% dos cidadãos voltaram a rejeitá-la. [3]

Uma nova Constituição, redigida por uma Assembleia Constituinte de 25 cidadãos eleitos por sufrágio universal entre 522 candidatos, composta por nove capítulos e 114 artigos, foi adoptada em 2011. Ela prevê o direito à informação, com acesso público aos documentos oficiais (Artigo 15), a criação de uma Comissão de Controle da Responsabilidade do Governo (Artigo 63), o direito à consulta directa (Artigo 65) – 10% dos eleitores podem pedir um referendo sobre as leis votadas pelo Parlamento –, assim como a nomeação do primeiro-ministro pelo Parlamento. [4]

Assim, ao contrário das outras nações da União Europeia na mesma situação, que aplicaram ao pé da letra as instruções do FMI exigindo medidas de austeridade severas, como na Grécia, Irlanda, Itália ou Espanha, a Islândia escolheu uma via alternativa. Quando, em 2008, os três principais bancos do país – Glitnir, Landsbankinn e Kaupthing – desmoronaram, o Estado islandês recusou-se a neles injectar fundos públicos, tal como havia feito o resto da Europa. Em vez disso, efectuou sua nacionalização.

Do mesmo modo, os bancos privados tiveram que cancelar todos os créditos hipotecários com taxas variáveis que superassem 110% do valor dos bens imobiliários, o que evitou uma crise de subprime como nos Estados Unidos. Por outro lado, a Corte Suprema declarou ilegais todos os empréstimos indexados a divisas estrangeiras que haviam sido concedidos a particulares, obrigando assim os bancos a renunciarem a seus créditos em benefício da população. [5]

Quanto aos responsáveis pelo desastre – os banqueiros especuladores que provocaram o desmoronamento do sistema financeiro islandês –, não foram beneficiados com a mansidão verificada no resto da Europa, onde foram sistematicamente absolvidos. Com efeito, Olafur Thor Hauksson, Procurador Especial nomeado pelo Parlamento, processou-os e prendeu-os, inclusive ao ex-primeiro-ministro Geir Haarde. [6]

Uma alternativa à austeridade 

Os resultados da política económica e social islandesa têm sido espectaculares. Enquanto a União Europeia se encontra em plena recessão, a Islândia apresentou uma taxa de crescimento de 2,1% em 2011 e prevê uma taxa de 2,7% para 2012, além de uma taxa de desemprego de 6%. [7] O país até se deu ao luxo de realizar o reembolso antecipado de suas dívidas ao FMI. [8]

O presidente islandês Olafur Grímsson explicou este milagre económico: "A diferença é que, na Islândia, deixamos os bancos quebrarem. Eram instituições privadas. Não injectámos dinheiro para salvá-las. O Estado não tem porque assumir essa responsabilidade". [9]

Agindo contra seus próprios prognósticos, o FMI saudou a política do governo islandês – o qual aplicou medidas totalmente contrárias àquelass que o Fundo preconiza –, que permitiu preservar "o precioso modelo nórdico de protecção social". De fato, a Islândia dispõe de um índice de desenvolvimento humano elevado. "O FMI declara que o plano de resgate ao modo islandês oferece lições nos tempos de crise". A instituição acrescenta que "o facto de que a Islândia tenha conseguido preservar o bem-estar social das unidades familiares e conseguir uma consolidação fiscal de grande envergadura é uma das maiores conquistas do programa e do governo islandês".

No entanto, o FMI omitiu a informação de que tais resultados só foram possíveis porque a Islândia recusou sua terapia de choque neoliberal e elaborou um programa de estímulo económico alternativo e eficaz. [10]

O caso da Islândia demonstra que existe uma alternativa crível às políticas de austeridade que são impostas na Europa. Estas, além de serem economicamente ineficazes, são politicamente custosas e socialmente insustentáveis. Ao colocar o interesse geral acima do interesse dos mercados, a Islândia mostrou ao resto do continente o caminho para escapar do beco sem saída. 
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

FMI RECONHECE ERRO - AUSTERIDADE AGUDIZOU CRISE NA EUROPA



Dois anos depois de violentos programas de austeridade terem lançado a maioria dos países europeus na recessão, originando um mar de desempregados e o aumento em cascata do endividamento público, o Fundo Monetário Internacional veio reconhecer que “subestimou” o efeito recessivo gerado pela austeridade.
O “erro”, reconhece agora o FMI no relatório semestral sobre o estado da economia mundial, estava nos modelos económicos utilizados para calcular os efeitos da política de austeridade na economia. Num estudo intitulado "Estaremos a subestimar os multiplicadores orçamentais de curto prazo?", os economistas do Fundo tentam perceber porque razão as previsões para a evolução da economia têm falhado sistematicamente.
Enquanto nos cálculos efetuados para definir o programa seguido nos memorandos para Portugal, Grécia ou Irlanda, se previa uma diminuição de 0,5 euros na riqueza do país por cada euro a mais nos impostos ou de corte na despesa pública, o FMI reconhece agora que esse impacto é muito superior. Assim, desde o início da crise financeira de 2008, o produto dos países europeus está a diminuir entre 0,9 e 1,7 euros por cada euro retirado à despesa do Estado.
O “mea culpa” do FMI surge dois anos depois de esta intuição ter reconhecido o papel dos seus modelos no deflagrar da crise financeira que levou à atual recessão.
"Esta descoberta é consistente com investigação que sugere que, no actual ambiente de fraca utilização da capacidade produtiva, de política monetária limitada pelas taxas de juro zero e de ajustamento da política orçamental simultâneo em vários países, os multiplicadores podem estar bem acima de um", defende-se no relatório do FMI.
O que o relatório do FMI escamoteia é que os cálculos utilizados pela instituição sempre foram contestados por um sem número de economistas, como os prémios Nobel Paul Krugman ou Stiglizt, por não levarem em consideração o impacto recessivo da austeridade.
O certo é que um erro tão grosseiro no cálculo do efeito das medidas de austeridade, e com uma dimensão que chega mesmo a ser surpreendente, teve impacto nas economias europeias, principalmente das que estão intervencionadas pela Comissão Europeia e FMI (como é o caso de Portugal). Retirado de esquerda.net