A apologética da política económica neoliberal rege-se por uma teia de conotações e associações de palavras como flexibilidade, maleabilidade, desregulamentação, reajustamentos, reformas estruturais, que tendem a fazer crer que a mensagem neoliberal é, usando as palavras de Pierre Bourdieu, “uma mensagem universalista de libertação”.

sexta-feira, 23 de março de 2012

IRLANDA, O BOM ALUNO DA AUSTERIDADE NÃO ESTÁ BEM

 
Promessa de rápida recuperação alimentada pelo crescimento das exportações chocou-se com a desaceleração global da economia. Na Zona Euro, Irlanda, Bélgica, Holanda, Itália, Portugal e Grécia estão em recessão.

sexta-feira, 16 de março de 2012

UM PAÍS DEVE PAGAR SUA DÍVIDA?

Para as Nações Unidas, “um Estado não poderia fechar suas escolas, suas universidades e seus tribunais e negligenciar seus serviços públicos ao ponto de expor sua população à desordem e à anarquia, simplesmente para dispor dos fundos necessários para cumprir com suas obrigações em relação a seus credores estrangeiros”.

Antigamente, havia, o Primeiro Mundo, o “Norte”, supostamente constituído por um bloco de prosperidade; o Segundo Mundo, aquele dos países soviéticos; e, por fim, o Terceiro Mundo, reagrupando os países pobres do Sul e submetidos desde os anos 1980 às regras do FMI. O segundo desapareceu no início dos anos 1990 com a dissolução da União Soviética. Com a crise financeira de 2008, o Primeiro Mundo se transformou, tanto que atualmente nenhuma divisão geográfica parece pertinente. São distinguíveis apenas duas categorias de população: um punhado que tira proveito do capitalismo contemporâneo e a grande maioria, que o sustenta. Sobretudo pelo mecanismo da dívida. (Análise de Damien Millet, Eric Toussaint  que pode ser lida aqui)

segunda-feira, 12 de março de 2012

PARAÍSOS FISCAIS,OS PROSTÍBULOS DO CAPITALISMO


Os chamados “paraísos fiscais” são verdadeiros prostíbulos do capitalismo. Nesses territórios se praticam todos os tipos de actividade económica que seriam ilegais em outros países, captando e limpando somas milionárias de negócios como o comércio de armamentos, do narcotráfico e de outras actividades similares.
Os paraísos fiscais, que devem somar um total entre 60 e 90 no mundo, são micro-territórios ou Estados com legislações fiscais frouxas ou mesmo inexistentes. Uma das suas características comuns é a prática do recebimento ilimitado e anónimo de capitais. São países que comercializam sua soberania oferecendo um regime legislativo e fiscal favorável aos detentores de capitais, qualquer que seja sua origem. Seu funcionamento é simples: vários bancos recebem dinheiro do mundo inteiro e de qualquer pessoa que, com custos bancários baixos, comparados com as médias praticadas por outros bancos em outros lugares.
Eles têm um papel central no universo das finanças negras, isto é, dos capitais originados de actividades ilícitas e criminosas. Máfias e políticos corruptos são frequentadores assíduos desses territórios. Segundo o FMI, a limpeza de dinheiro representa entre 2 e 5% do PIB mundial e a metade dos fluxos de capitais internacionais transita ou reside nesses Estados, entre 600 bilhões e 1 trilião e 500 bilhões de dólares sujos circulam por aí.
O numero de paraísos fiscais explodiu com a desregulamentação financeira promovida pelo neoliberalismo. As inovações tecnológicas e a constante invenção de novos produtos financeiros que escapam a qualquer regulamentação aceleraram esse fenómeno.
Trafico de armas, empresas de mercenários, droga, prostituição, corrupção, assaltos, sequestros, contrabando, etc., são as fontes que alimentam esses Estados e o mecanismo de limpeza de dinheiro.
Um ministro da economia da Suíça – dos maiores e mais conhecidos paraísos – declarou em uma visita a Paris, defendendo o segredo bancário, chave para esses fenómenos: “Para nós, este reflecte uma concepção filosófica da relação entre o Estado e o indivíduo.” E acrescentou que as contas secretas representam 11% do valor agregado bruto criado na Suíça.
Em um país como Liechtenstein, a taxa máxima de imposto sobre a renda é de 18% e o sobre a fortuna inferior a 0,1%. Ele se especializa em abrigar sociedades holdings e as transferências financeiras ou depósitos bancários. 
Uma sociedade sem segredo bancário, em que todos soubessem o que cada um ganha – poderia ser chamada de paraíso. Mas é o contrário, porque se trata de paraísos para os capitais ilegais, originários do narcotráfico, do comércio de armamento, da corrupção.
Existem, são conhecidos, quase ninguém tem coragem de defendê-los, mas eles sobrevivem e se expandem, porque são como os prostíbulos – ilegais, mas indispensáveis para a sobrevivência de instituições falidas, que tem nesses espaços os complementos indispensáveis à sua existência.
Publicado por Emir Sader

ISLÂNDIA INICIOU O JULGAMENTO DO NEOLIBERALISMO


Geir Haarde, primeiro ministro da Islândia em 2008, quando se deu a derrocada bancária no país, está a ser julgado por um tribunal especial. No banco dos réus está pela primeira vez a política neoliberal que originou a bancarrota.
Durante o governo de coligação direitista e social democrata de Geir Haarde, os bancos faliram, a economia entrou em colapso. Mais do que julgar o homem que à frente do governo não conseguiu evitar a dramática situação no pequeno país, os juízes tentam apurar o que se passou e as circunstâncias que provocaram a crise. O tribunal considera que não é possível responsabilizar unicamente o ex-primeiro ministro pelo que se passou.
Da sua acusação constam o facto de não ter feito nada para evitar a debandada dos estabelecimentos financeiros, de não feito com que o banco online Icesave tivesse o estatuto de filial britânica, o que teria permitido transferir o problema da falência para Londres e evitado ao país a realização de dois referendos e a decisão dos islandeses de se recusarem a pagar por dívidas que não são suas. Este problema está actualmente no Tribunal Europeu de Justiça.
Juízes e cerca de 60 testemunhas têm reflectido durante o julgamento – que não é transmitido em directo pela TV mas está a ser seguido por milhares de islandeses através da internet – sobre as causas de uma situação que não surgiu em 2008 por geração espontânea mas sim pela deriva neoliberal a que o governo sujeitou o país.
Em causa estão, principalmente, a privatização das quotas de pesca que proporcionou aos armadores fortunas incalculáveis, um investimento em cascata no estrangeiro, quase sempre com maus resultados, uma privatização desastrosa dos bancos feita frequentemente segundo métodos corruptos e de clientelismo. A este processo seguiu-se uma onda de concessão de créditos bancários sem critérios nem garantias proporcionando, à escala do país, problemas semelhantes aos que se registaram nos Estados Unidos com a bolha imobiliária e o subprime.
Nesta fase, os bancos concederam um volume global de crédito que superou em 11 vezes o PIB islandês; quando o primeiro-ministro decretou a sua falência era impossível salvá-los. Além disso, os islandeses não o permitiram e recusaram-se a assumir as dívidas alheias.
A resposta dos islandeses à crise não alinhou pelos caminhos impostos pela União Europeia aos Estados membros, pelo que hoje a Islândia, apesar de sofrer os efeitos de uma forte austeridade económica e de uma acentuada quebra no consumo, conseguiu salvaguardar o Estado social, o desemprego está em sete por cento e as entidades patronais não foram além de limitar o trabalho extraordinário para conseguirem evitar os despedimentos.
Geir Haarde, político direitista e considerado um fundamentalista neoliberal, tem 64 anos e abandonou a carreira política. Incorre numa pena de dois anos de prisão. Mais do que um chefe de governo incapaz de dirigir o país – é a acusação a que corresponderá a pena que vier a ser aplicada – no banco dos réus está a política neoliberal.(Publicado aqui)

sexta-feira, 9 de março de 2012

SETE PRINCIPIOS PARA LIBERTAR A SOCIEDADE DO DOMINIO DOS MERCADOS FINANCEIROSmercados financeiros - Rede Europeia da ATTAC



Desde 2007, a crise financeira mundial está a abalar o Mundo. A União Europeia está no seu epicentro. As suas políticas económicas estão a aprofundar as crises sociais, económicas e ecológicas, colocando a democracia em risco.
O Banco Central Europeu (BCE) e o Euro são os símbolos dessas políticas que estão a entregar o controlo da economia aos bancos privados e aos mercados financeiros, a pretexto de uma suposta crise das dívidas públicas.
Ao mesmo tempo, a Troika (BCE, Comissão Europeia e FMI) e os Governos da UE estão a destruir o bem-estar social e a impor medidas de austeridade destrutivas, obrigando as pessoas a pagar dívidas pelas quais não são responsáveis.
O modelo neoliberal da integração europeia agravou as diferenças entre os países periféricos e os do centro, e aumentou as desigualdades dentro e fora da Europa ao encorajar o dumping social, ambiental e fiscal.
Os Governos da UE deram mais um passo no sentido de destruir a democracia, ao impor aos seus Povos e Parlamentos processos tecnocráticos, chegando mesmo a instalar os seus próprios representantes (Grécia e Itália), de modo a colocar em prática processos destrutivos de redução de dívida. O funcionamento democrático da UE está também colocado em causa pela criação do ‘Grupo de Frankfurt’ – constituída pela chanceler da Alemanha, o presidente de França, o governador do BCE, o presidente do Eurogrupo, a directora-geral do FMI e os dois presidentes da UE -, que definem as linhas políticas estratégicas em nome da urgência da crise. Assim, a já frágil legitimidade da UE e os seus processos de decisão ficam cada vez mais debilitados.
A Rede Europeia da ATTAC opõe-se fortemente a este método de integração europeia e aos moldes como o Euro existe, pois subordinam os interesses e necessidades dos Povos aos interesses dos mercados financeiros.
A dicotomia entre sair do Euro ou aprofundar a presente forma de integração europeia não abarca os principais elementos da crise global. É urgente libertar a Europa e os Povos da domínio dos mercados financeiros e promover, de forma coordenada, um conjunto de políticas económicas, sociais, monetárias e ecológicas progressivas. Para isso, os cidadãos e os movimentos sociais devem esforçar-se a nível local e europeu para alterar as regras do sistema económico e institucional vigente – e tornar outra Europa possível.
Para libertar as nossas sociedades do domínio dos mercados financeiros e coordenar políticas económicas, monetárias, sociais e ecológicas progressivas, devemos defender os seguintes sete princípios:
Retirar as finanças públicas dos mercados financeiros: permitir financiamentos públicos democráticos, através de um Banco Central controlado democraticamente, que financie directamente os Estados;
Sair da armadilha da dívida: acabar com as políticas de austeridade e avançar com processos de auditoria que levem a cancelamentos da dívida. Os bancos e os agentes financeiros privados devem também assumir perdas;
Dar às finanças públicas uma base sustentável: aumentar os impostos sobre os ricos e os lucros das grandes empresas e harmonizar os impostos a nível a nível europeu para erradicar o dumping fiscal;
Desarmar os mercados financeiros e colocar os bancos sob controlo público: proibir movimentos especulativos prejudiciais (por exemplo, vendas de curto prazo, especulação nos produtos derivados, movimentos over-the-counter, trocas de alta frequência), e impor uma taxa de pelo menos 0,1% a todas as transacções financeiras. Regular de forma sólida os bancos (separar a banca comercial da banca de investimento, desmantelar os bancos ‘demasiado grandes para caírem’);
Permitir o financiamento público e democrático da economia: criar um sector bancário cooperativo e público que esteja sob o controlo democrático, para garantir o financiamento das necessidades sociais e económicas, garantir os direitos sociais e financiar um transição ecológica. As políticas de comércio internacional devem ser revistas para cumprirem estes objectivos, em cooperação com os países em vias de desenvolvimento.
Uma Europa para os Povos, não para os lucros: promover políticas económicas e sociais a nível europeu e recuperar e expandir os serviços públicos, para reduzir desequilíbrios, promover a transição ecológica das economias, garantir altas taxas de emprego, promover a igualdade de género e expandir os direitos económicos e sociais básicos (saúde, educação, habitação, informação, cultura, bem-estar social, etc) e garantir que são assegurados por uma rede 100% pública.
Democracia Já: Iniciar um processo constituinte de modo a democratizar os processos de decisão a todos os níveis; elaborar democraticamente um novo Tratado europeu ratificado em referendos realizados em todos os países e apoiar e promover um debate público e transparante sobre caminhos para a Europa e políticas alternativas para a UE.
Publicado por Attac Portugal

quinta-feira, 8 de março de 2012

GRÉCIA: MERCADOS FESTEJAM O FUNERAL DE UMA NAÇÃO


Mercados e bolsas festejam o acordo fechado nesta 5ª feira entre a Grécia e os bancos credores, que concederam ao país um desconto médio de 50%, em troca de garantias e reformas que asseguram o pagamento do passivo restante.
Há razões para a banca comemorar: a adesão dos bancos ao desconto de 50% representa, no fundo, o oposto do que transparece. Trata-se de uma gigantesca transfusão, talvez a mais radical desde o Tratado de Versalhes, do sangue de um povo a credores pantagruélicos. Uma derrota superlativa da democracia grega, que marcará a história do país por décadas; e provavelmente destruirá seu sistema representativo pela traição nacional maiúscula.
As eleições parlamentares de abril agora podem marcar o início dessa bancarrota partidária. O processo consumado nesta 5ª feira compromete a vida da atual geração, a dos seus filhos e a dos netos que um dia eles terão. Em troca de um desconto sobre uma dívida impagável -- contraída num intercurso entre governos irresponsáveis e banqueiros cúmplices-- o Estado grego assinou uma espécie de testamento à favor dos mercados. Em seguida, consumou o suicídio político da democracia. A partir de agora, e por prazo indeterminado, a Grécia assume o papel de protectorado da banca.
Um diretório nomeado pelos mercados terá poderes legais de monitorar a tosquia do país, com direito a vetar orçamentos e redirecionar recursos prioritariamente ao pagamento de banqueiros. O que a coalizão social-democrata e conservadora fez foi acordar um álibi internacional para sancionar um arrocho salarial indecente -o salário mínimo foi ineditamente reduzido e, como ele, as pensões; bem como demissões maciças da ordem de 150 mil funcionários públicos (15 mil efetuadas este ano); privatizações e cortes na saúde e educação que já desencadearam surtos de suicídios, fome nas escolas e entrega de crianças a orfanatos por famílias desesperadas.
Compare-se com o que fez a Argentina de Kirchner há nove anos para se ter a medida da regressividade acatada por Atenas. Em 2003, a Argentina era uma espécie de Grécia da América do Sul. Desacreditada aos olhos de seu próprio povo, balançava como um 'joão bobo' nas mãos do capital especulativo interno e externo. Nestor Kirchner herdou do extremismo neoliberal uma taxa de pobreza de 60% sobre uma população de 37 milhões de argentinos.
A dívida de US$ 145 bilhões, impagável, corroía seu sistema financeiro. Os credores sobrevoavam a nação argentina à espera do melhor momento para arrancar os seus olhos e o que lhe restasse ainda da carne, como fizeram nesta 5ª feira com a Grécia. O cerco internacional era avassalador. A diferença é que Nestor Kirchner não se dobrou: impôs um desconto de 70% da dívida aos credores; desvalorizou o câmbio, congelou tarifas, destinou a receita crescente a programas sociais e de fomento.
A taxa de pobreza recuou a 10% da população. A economia argentina foi a que mais cresceu no hemisfério ocidental na última década. Cristina foi reeleita em 2011 com apoio esmagador. Os desdobramentos virtuosos desse braço de ferro são espertamente omitidos pela crítica conservadora que tenta desmerecer os ganhos econômicos e sociais da soberania argentina. E o faz por uma razão compreensível: eles realçam as dimensões catastróficas dos desastres em marcha na Grécia, Espanha, Portugal e outros, ora submetidos à dose dupla de um purgante ortodoxo inútil, que o êxito da Argentina derrotou e desmoralizou.
Publicado em Carta Maior