A apologética da política económica neoliberal rege-se por uma teia de conotações e associações de palavras como flexibilidade, maleabilidade, desregulamentação, reajustamentos, reformas estruturais, que tendem a fazer crer que a mensagem neoliberal é, usando as palavras de Pierre Bourdieu, “uma mensagem universalista de libertação”.

quinta-feira, 31 de março de 2011

A TRAJETÓRIA DO CAPITALISMO HISTÓRICO E A VOCAÇÃO TRICONTINENTAL DO MARXISMO


Samir Amin
A longa Ascensão do capitalismo
A longa história do capitalismo é composta por três fases distintas e sucessivas: (1) a lenta preparação – a transição do sistema tributário, forma usual de organização das sociedades pré-modernas – que perdurou oito séculos, do X ao XVIII; (2) o curto período de maturidade (o século dezenove), no qual o "Ocidente" afirmou seu domínio; (3) o longo "declínio" causado pelo "Despertar do Sul" (para utilizar o título de meu livro, publicado em 2007) em que os povos e seus Estados recuperaram sua importante iniciativa na transformação do mundo – a primeira onda tomando lugar no século dezenove. A batalha contra a ordem imperialista não pode ser separada da expansão global do capitalismo que é um potencial agente na longa estrada da transição para além do capitalismo, em direção ao socialismo. No século vinte e um, presencia-se o começo de uma segunda onda de iniciativas de independências pelos povos e Estados do sul.

As contradições internas que são características em todas as sociedades avançadas no mundo pré-moderno – e não especificamente na Europa "feudal" – estão atreladas às sucessivas ondas de inovação sócio tecnológica que atuaram na constituição da modernidade capitalista.
A onda mais antiga veio da China, onde as mudanças começaram na era Sung (século XI) e se desenvolveram mais profundamente nas eras Ming e Qing, dando à China um avanço em termos de inventividade tecnológica e produtividade social em trabalho coletivo – não sendo ultrapassada pela Europa até o século XIX. A onda "chinesa" deve ter influenciado uma onda do "Oriente Médio", que teve lugar no Califado Árabe-Persa e, em seguida, através das Cruzadas e suas consequências, nas cidades de Itália.
A última onda diz respeito à longa transição do antigo mundo tributário para o moderno mundo capitalista. Isso começou de fato na Europa Atlântica, seguindo para a conquista/descobrimento das Américas, e durante três séculos (1500-1800) tomou a forma de mercantilismo. O capitalismo que, gradualmente, passou a dominar o mundo, é o produto dessa última onda de inovação social tecnológica. A forma Europeia ("Ocidental") de capitalismo histórico que emergiu na Europa Atlântica e Central, em sua cria, nos Estados Unidos, e mais tarde, no Japão, desenvolveu suas próprias características – notavelmente, um modo de acumulação baseado na expropriação, em primeiro lugar, dos camponeses e, em seguida, dos povos das periferias, que foram incorporados como servos em seu sistema global. Esta forma histórica é inseparável das contradições centros/periferias que incessantemente se constroem, reproduzem e se aprofundam.
O capitalismo histórico toma sua forma final no término do século XVIII, com a Revolução Industrial Inglesa, que inventou as novas "fábricas com maquinas" (juntamente com a criação do proletariado industrial), e a Revolução Francesa que deu origem à política moderna.
O desenvolvimento do capitalismo maduro se deu em um curto período marcado pelo apogeu deste sistema durante o século XIX. A acumulação do capital tomou então sua forma definitiva e se tornou a regra básica que rege as sociedades. Desde o inicio, essa forma de acumulação foi construtiva (pois, permitiu uma prodigiosa e contínua aceleração na produtividade do trabalho social). Mas, ela foi, ao mesmo tempo, destrutiva. Marx observou que a acumulação destrói as duas bases da riqueza: a essência humana (vítima da comodidade e da alienação) e a natureza.
Na minha análise acerca do capitalismo histórico, particularmente, sublinho a terceira dimensão do poder destrutivo da alienação: a desapropriação cultural e material dos tiranizados povos da periferia – com quem Marx foi tão descuidado. Não há dúvida quanto a isso, porque, no curto período em que Marx estava produzindo seus trabalhos, a Europa parecia quase exclusivamente dedicada às exigências da acumulação interna. Marx, assim, relegou esta desapropriação a uma fase temporária da "acumulação primitiva" de que eu, ao contrário, tenho descrito como permanente.
O fato é que, durante seu pequeno período de maturidade, o capitalismo desempenhou inegáveis funções para o progresso. Ele criou as condições necessárias para se que tornasse possível uma ascensão do socialismo/comunismo, tanto no nível material quanto no novo nível de consciência política cultural que o acompanhou. O socialismo (e ainda mais o comunismo) não é como alguns têm pensado, concebendo-o como um "modo de produção" superior por ser capaz de acelerar o desenvolvimento das forças de produção e de associá-los a uma distribuição "equitativa" da renda. O socialismo também é algo mais: um estágio mais alto de desenvolvimento da sociedade humana. Não foi, portanto, por acaso que o movimento operário se enraizou na população explorada tornando-a comprometida com a luta pelo socialismo, tão evidente na Europa do século XIX, e expressa em O Manifesto Comunista em 1848. Também não foi por acaso que esta contestação tomou sua forma na primeira revolução socialista da história: a Comuna de Paris em 1871.
Capitalismo Monopolista: O Começo de um Longo Declínio
No final do século XIX, o capitalismo enveredou em seu longo período de declínio. Quero dizer com isso que as dimensões destrutivas da acumulação venceram, crescendo muito mais, sobre a dimensão construtiva, progressiva. Essa transformação qualitativa do capitalismo tomou forma com o aparecimento da produção monopolista (não mais apenas nas áreas do comércio e de conquista colonial, como no período mercantilista) ao final do século XIX. Isto ocorreu em resposta à primeira longa crise estrutural do capitalismo, ocorrida na década de 1870, pouco depois da derrota da Comuna de Paris. A ascensão do capitalismo monopolista (ao que Hilferding e Hobson dão destaque) trouxe à tona a livre concorrência capitalista, e mesmo o capitalismo de fato, teve seu agora, "teve seu dia", e agora se torna "obsoleto". Soou o sino da necessidade e possibilidade de expropriar os expropriadores. O declínio encontrou esta expressão na primeira onda de guerras e revolução que marcaram a história do século XX. Lênin foi preciso ao descrever o capitalismo monopolista como o "estágio mais avançado do capitalismo"
Mas, de modo otimista, Lênin acreditou que esta primeira longa crise poderia ser a última, tendo a revolução socialista como próxima pauta. No entanto, a própria História provou, pela "bagatela" de duas guerras mundiais, que o capitalismo é capaz de superar suas crises, e, mais que isso, ele é capaz de se adaptar aos contratempos impostos pelas Revoluções Russa e Chinesa e as liberações nacionais na Ásia e na África. Mas, depois de um curto período de revitalização do capitalismo monopolista (1945-1975), teve sequência a segunda longa crise estrutural do sistema, que teve início na década de 1970. O Capitalismo reagiu a este renovado desafio com uma nova transformação capitalista, que tomou a forma que eu descrevo como "capitalismo do monopólio generalizado".
O maior centro de questões acerca desta interpretação de um "longo declínio" do capitalismo, diz respeito à natureza da "Revolução" que será, então, a ordem do dia. Poderia ser o "longo declínio" do capitalismo monopolista histórico sinônimo de uma "longa transição" para o socialismo/comunismo? Sob quais condições?
De 1500 (dos primórdios do mercantilismo Atlântico até a transição para o capitalismo maduro) até 1900 (o início do desafio da lógica unilateral de acumulação), os ocidentais (europeus, depois os estadunidenses, e por fim os japoneses) continuaram os mestres do jogo. Sozinhos modelaram as estruturas do novo mundo do capitalismo histórico. As populações e nações das periferias, que foram dominados e conquistados, tentaram, é claro, resistir o melhor que puderam, no entanto, eles sempre foram derrotados no final e forçados a se adaptar a sua posição de subordinado.
A dominação Euro-atlântica do mundo foi acompanhada por uma explosão demográfica: os Europeus, que em 1500 constituíam 18 por cento da população do planeta, em 1900 representava 36 por cento – aumentado pelo número de descentes dos emigrantes oriundos das Américas e da Austrália. Sem esta massiva emigração o modelo de acumulação do capitalismo histórico, baseado em um acelerado desaparecimento do mundo camponês, teria sido simplesmente impossível. Este é o motivo do modelo não poder ser reproduzido nas periferias do sistema, elas não possuem "Américas" para conquistar. "Atingir" o sistema seria impossível, os povos da periferia não tem um diferente pacote de desenvolvimento para escolher.
Os Lances Iniciais dos Povos e Nações da Periferia
Em 1871, a Comuna de Paris, como já foi mencionado, foi a primeira revolução socialista, mas também, a última ocorrida em um país que fazia parte do centro do capitalismo. O século XX inaugurou, com o "despertar dos povos da periferia" um novo capítulo na História. Suas primeiras manifestações foram: do Irã (1907); do México (1910-1920); da China (1911); e a da "semiperiférica" Rússia (1905). Este despertar dos povos e nações da periferia teve sua influência na Revolução de 1917, a Árabe-Muçulmana Nahda; na constituição do movimento Jovens Turcos (1908); na Revolução do Egito de 1919; e na formação do Congresso Indiano (1885).
Em reação à primeira longa crise do capitalismo histórico (1875-1950), os povos da periferia começaram seus movimentos de libertação entre 1914-1917, mobilizando-se sob as bandeiras do socialismo (Rússia, China, Vietnã e Cuba) ou de libertação nacional (Índia e Argélia), movimentos associados a diferentes graus de mudanças sociais progressivas. Tomaram o caminho da industrialização, até agora, esquecendo da dominação do (antigo) "clássico" imperialismo, forçando o último a se "ajustar" a esta primeira onda de iniciativas de independência dos povos, nações e Estados das periferias. De 1917 até o momento em que a "Conferência de Bandung" (1955-1980) perdeu força e o sovietismo desabou em 1990, estas foram as iniciativas que dominaram a cena.
Eu não consigo ver duas longas crises de envelhecimento do Capitalismo Monopolista segundo a teoria dos Longos Ciclos de Kondratiev, mas sim, como dois estágios do mesmo declínio do capitalismo histórico globalizado e sua possível transição para o Socialismo. Também não vejo o período 1914-1945, exclusivamente como os "30 anos" de guerra pela sucessão da "hegemonia britânica." Vejo este período também como uma longa guerra conduzida pelos centros imperialistas contra o primeiro despertar das periferias (Leste e Do Sul).
Esta primeira fase do despertar dos povos da periferia desgastou-se por muitas razões, incluindo as suas próprias limitações e contradições internas, e do sucesso do imperialismo em encontrar novas maneiras de dominar o sistema mundial (através do controle da invenção tecnológica, o acesso aos recursos, o sistema financeiro globalizado, comunicação e tecnologia da informação, as armas de destruição em massa).
No entanto, o capitalismo passou por uma segunda crise que começou em 1970, exatamente cem anos após a primeira. As reações do capital a essa crise foram as mesmas tidas anteriormente: a concentração armada, que deu origem à generalização do capitalismo monopolista, a globalização ("liberal") e a financeirização. Mas o momento de triunfo, o segundo belle époque, de 1990-2008, repetindo o primeiro belle époque, de 1890-1914 do novo imperialismo coletivo da tríade (Estados Unidos, Europa e Japão) durou pouco. Uma nova época de caos, guerras e revoluções surgiram. Nesta situação, a segunda onda do despertar das nações da periferia (que já tinha começado), agora se recusou a permitir que o imperialismo coletivo da tríade para manter a sua posição dominante, que não apenas através do controle militar do planeta. O establishment de Washington, dando prioridade a este objetivo estratégico, prova que é perfeitamente consciente das verdadeiras questões em jogo nas lutas e conflitos decisivos de nossa época, em oposição à visão ingênua das correntes majoritárias no "altermundismo" do Oeste.
O Capitalismo Monopolista Generalizado é a última fase do Capitalismo?
Lênin descreveu o imperialismo dos monopólios como o "estágio mais alto do capitalismo". Eu tenho descrito o imperialismo como uma "fase permanente do capitalismo" tendo em vista que o capitalismo histórico globalizado tem sido construído de modo que não cesse de se reproduzir e aprofundar a polarização centro/periferia. A primeira onda de constituição de monopólios no final do século XIX, certamente envolveu uma transformação qualitativa na estrutura fundamental do modo de produção capitalista. Lênin deduziu que a revolução socialista seria a sequência natural dos fatos, e Rosa Luxemburgo, acreditava que as alternativas seriam "socialismo ou barbárie". Lênin era certamente demasiado otimista, tendo subestimado os efeitos devastadores do imperialismo – e a transferência a ele associada - na revolução, do Oeste (centros) para o Leste (da periferia).
A segunda onda de centralização do capital, que teve lugar no último terço do século vinte, constituiu uma segunda transformação qualitativa no sistema, que eu tenho descrito como sendo o "monopólio generalizado". De agora em diante, eles não só comandaram os picos da economia moderna; eles conseguiram se impor diretamente no controle do sistema de produção. As pequenas e médias empresas (e mesmo os grandes fora dos monopólios), como os fazendeiros, que foram literalmente despossuídos, tendo sido reduzido ao estado de subempreiteiros, tendo suas operações crescentes e decrescentes sob o rígido controle dos monopólios
Nesta fase mais alta de centralização de capital, os laços com seu corpo orgânico vivo – a burguesia – são quebrados. Isso é uma imensa e importante mudança: a burguesia histórica, constituída por famílias enraizadas localmente, vai dando lugar para uma crescente oligarquia/plutocracia anônima que controla os monopólios, a despeito da dispersão dos títulos de propriedade do capital. O alcance das operações financeiras inventou nas últimas décadas o que atesta esta última suprema forma de alienação, o especulador pode agora vender aquilo que não possui, então o principio de propriedade foi reduzido a algo irrisório.
A função do trabalho social produtivo desapareceu. O degrau mais alto da alienação já tinha sido atribuído ao dinheiro virtual produtivo ("dinheiro faz os pequenos"). Agora a alienação atingiu novas alturas, é o tempo ("tempo é dinheiro") que por si só, é capaz de "produzir lucros". A nova classe burguesa que responde aos requerimentos de reprodução do sistema foi reduzida ao estado de "funcionários remunerados" (precários, para alavancagem), mesmo quando são membros da alta classe média, pessoas privilegiadas que são muito bem pagas por seu trabalho.
Assim sendo, não devemos concluir que o capitalismo já teve seu dia? Não há outra possível resposta para o desafio: Os monopólios devem ser nacionalizados. Este é um primeiro e inevitável passo para uma possível socialização da gestão para os trabalhadores e cidadãos. Apenas este caminho torna possível o progresso no percurso da estrada para o socialismo. Ao mesmo tempo, será a única maneira de desenvolvimento de uma nova macroeconomia que restaure o espaço genuíno para a operação das pequenas e médias empresas. Se isso não for feito, a lógica de dominação do capital abstrato pode produzir nada mais que um declínio da democracia e da civilização, para um "apartheid generalizado" em nível mundial.
A Vocação Tricontinental do Marxismo
Minha interpretação do capitalismo histórico enfatiza a polarização do mundo (contraste entre centro/periferia) produzida pela forma histórica de acumulação do capital. Essa perspectiva questiona as visões da "revolução socialista", e, mais amplamente, da "transição ao socialismo", que os marxismos históricos tem desenvolvido. A "revolução" – ou a transição – antes de nós, não é necessariamente aquela em que as visões históricas foram baseadas. Tampouco são as estratégias para a superação do mesmo capitalismo
Tem que se reconhecer que o que as mais importantes lutas sociais e políticas do século XX tentaram contestar não tanto o capitalismo em si, mas a dimensão imperialista do capitalismo realmente existente. A questão é, portanto, se essa transferência do centro de gravidade das lutas chama, pelo menos potencialmente, necessariamente o capitalismo em questão.
O pensamento de Marx associa a clareza "científica" na análise da realidade com a ação social e política (a luta de classes no seu mais amplo sentido), destinado a "mudar o mundo". Confrontando o básico, ou seja, a descoberta da verdadeira fonte de valor excedente [mais-valia – N.T.] produzido pela exploração do trabalho pelo capital social é indispensável para esta luta. Se esta lúcida e fundamental contribuição de Marx for abandonada, uma dupla falha no resultado é inevitável. Qualquer abandono a esta teoria de exploração (lei do valor) reduz a análise da realidade a apenas aparências, uma linha de pensamento que é limitada por uma submissão desprezível às exigências de mercado, reproduzida pelo sistema em si. De modo semelhante, tal abandono à crítica do trabalho baseado no sistema de valor, anula a eficácia das estratégias e lutas para mudar o mundo, que são, desse modo, concebidas dentro deste quadro alienante, as declarações "cientificas" de não haver nenhuma base real.
Não obstante, isso ainda não é o suficiente para se agarrar às lúcidas análises formuladas por Marx. Isso não é exclusivamente porque a "realidade" se altera por si mesma, e existem sempre "novas" coisas para serem levadas em conta no desenvolvimento da crítica do mundo real que começou com Marx. Mas, mais fundamentalmente, é porque, até onde sabemos, as análises que Marx apresenta no Capital foram deixadas incompletas. No planejado sexto volume (que nunca foi escrito) deste trabalho, supostamente, Marx trataria da globalização do capitalismo. E isso agora terá de ser feito por outros, e é por isso que tenho ousado defender a formulação da "lei do valor globalizado", restaurando o lugar do desigual desenvolvimento (através da polarização centro/periferia) inseparável da expansão global do capitalismo histórico. Nesta formulação, a "renda imperialista" é integrada em todo o processo de produção e circulação do capital e da distribuição da mais-valia. Essa renda é a origem da contestação: ela explica por que as lutas pelo socialismo nos centros imperialistas desapareceram, e destaca as dimensões anti-imperialista das lutas nas periferias contra o sistema da globalização imperialista/capitalista.
Não vou voltar aqui para discutir o que uma exegese dos textos de Marx sobre esta questão poderia sugerir. Marx, que é nada menos que um gigante, com a sua capacidade crítica e da incrível sutileza de seu pensamento, deve ter tido pelo menos uma intuição que ele estava enfrentando uma séria questão aqui. Isto é sugerido por suas observações acerca dos desastrosos efeitos de uma união entre a classe trabalhadora inglesa com o chauvinismo, associado com a exploração colonial da Irlanda. Marx, portanto, não ficou surpreso por ter sido a França – menos desenvolvida economicamente do que a Inglaterra, mas, mais avançada em consciência política – o palco da primeira revolução socialista. Eles, assim como Engels, esperavam que o "atraso" da Alemanha poderia proporcionar uma forma original de avanço para o desenvolvimento, fundindo as revoluções burguesa e socialista em uma única.
Lênin foi ainda mais longe. Ele enfatizou a transformação qualitativa envolvida na passagem do monopólio capitalista, e tirou as conclusões necessárias: O capitalismo havia deixado de ser um estágio necessário de progresso na história e agora ele estava "apodrecido" (termo do próprio Lênin). Em outras palavras, havia se tornado "obsoleto" e "senil" (meus termos), então a passagem para o socialismo estaria na agenda, o que era necessário e possível. Ele compreendeu e implementou, em seu contexto, a revolução que começou na periferia (Rússia, o "elo fraco"). Depois, vendo o fracasso de suas esperanças na revolução europeia, ele concebeu a transferência da revolução para o Ocidente, onde viu que a fusão dos objetivos da luta anti-imperialista com os da luta contra o capitalismo tornou-se possível.
Mas, foi Mao quem formulou rigorosamente a complexa e contraditória natureza dos objetivos de uma transição para o socialismo que estavam a ser postas em prática nestas condições. O "marxismo" (ou, mais exatamente, os marxismos históricos) foi confrontado por um novo desafio – um que não ainda não existia na mais lúcida consciência política do século XIX, mas, que surgiu devido a transferência de iniciativa para transformar aos povos, nações e estados da periferia.
A renda imperialista "não apenas" beneficiou os monopólios do centro dominante (na forma de super lucros), como também foi a base da reprodução da sociedade como um todo, apesar de sua estrutura de classe evidente e da exploração dos seus trabalhadores. Isso é o que Perry Anderson analisou tão claramente como "Marxismo Ocidental" que ele descreveu como "o produto da derrota" (o abandono da perspectiva socialista) – o que é relevante aqui. O marxismo foi condenado, tendo renunciado "mudar o mundo" e colocando a si mesmo como estudos "acadêmicos", sem impacto político. O desvio liberal da socialdemocracia – e sua mobilização, tanto para a ideologia dos EUA de "consenso" e ao Atlantismo a serviço da dominação imperialista do mundo – foram as consequências.
"Outro mundo" (uma frase muito vaga para indicar um mundo comprometido com o caminho para o socialismo) é obviamente impossível a menos que isso providencie uma solução para os problemas dos povos da periferia – apenas 80% da população mundial! "Mudar o mundo", consequentemente significa mudar as condições de vida da maioria. O marxismo, que analisa a realidade do mundo a fim de tornar as forças que atuam para a mudança tão eficazes quanto possível, necessariamente adquire uma decisiva vocação tricontinental (África, Ásia e América Latina).
Como isso está relacionado com o terreno de luta que enfrentamos? O que eu proponho, em resposta a esta pergunta, é uma análise da transformação do capitalismo imperialista monopolista ("senil") para o capitalismo monopolista generalizado (ainda mais senil, por essa razão). Esta é uma transformação qualitativa, em resposta à segunda longa crise do sistema, que começou na década de 1970, e que ainda não foi resolvida. A partir desta análise, eu tirei duas principais conclusões: (1) O sistema imperialista é transformado no imperialismo coletivo da tríade, em reação à industrialização das periferias, imposta pelas vitórias da primeira onda de seu "despertar".
Isso ocorre juntamente com a implementação do novo imperialismo dos novos meios de controle do sistema mundial, baseado no controle militar do planeta e seus recursos, a superproteção da apropriação exclusiva da tecnologia, os oligopólios e seu controle sobre o sistema financeiro mundial. Há uma transformação consequente das estruturas de classes do capitalismo contemporâneo, com o surgimento de uma oligarquia dominante exclusiva.
O "marxismo ocidental" tem ignorado a transformação decisiva representada pela emergência do capitalismo monopolista generalizado. Os intelectuais da nova esquerda ocidental se recusam a medir os efeitos decisivos da concentração dos oligopólios que dominam o sistema produtivo como um todo, da mesma forma que dominam toda a vida política, social, cultural e ideológica. Tendo eliminado o termo "socialismo" (e, a fortiori, o "comunismo") de sua linguagem, já não prevê a necessária expropriação dos expropriadores, mas apenas um impossível "capitalismo de outros" com o que eles chamam de um "rosto humano". O desvio dos "pós" discursos (pós-moderno, pós-marxista, etc) é o resultado inevitável. Negri, por exemplo, não diz uma palavra sobre esta transformação decisiva que, para mim, está no centro das questões do nosso tempo.
A nova língua destes loucos delírios deve ser vista no sentido literal do texto, como um ilusório imaginário individual de toda a realidade. Em francês, le peuple (e melhor ainda, les classes populaires), em espanhol, el pueblo (las clases populares), o que não é um sinônimo para "todo mundo". Referem-se às classes dominadas e exploradas e, portanto, enfatizam sua diversidade (dos tipos de relacionamento que eles possuem com o capital), o que torna possível a construção de estratégias eficazes e concretas para torná-los agentes de mudança ativa. Isto está em contraste com o equivalente em inglês: "people" que não possui o mesmo significado, sendo sinônimo de "les gens" (todos) e, em espanhol, la gente. A nova língua ignora estes conceitos (marcados pelo marxismo e formulados em francês ou espanhol) e os substitui por uma nova e vaga palavra, como a de Negri, "multitude". Isto é um delírio filosófico atribuído a esta palavra (que não acrescenta nada, mas, subtrai muito), um chamado poder analítico, invocando a sua utilização por Spinoza, que viveu em um tempo e em condições que nada têm a ver com a nossa.
O pensamento político da moda dos novos radicais esquerdistas ocidentais, também ignora o caráter imperialista de dominação dos monopólios generalizado, substituindo-o pela expressão vazia de "Império" (Negri). Este centrismo ocidental, levado ao extremo, omite qualquer reflexão sobre a renda imperialista sem a qual nem os mecanismos de reprodução social, nem os desafios que eles constituem, portanto, podem ser entendido.
Em contraste, Mao apresentou uma visão que era ao mesmo tempo profundamente revolucionária e "realista" (científica e lúcida) sobre os termos em que a contestação deve ser analisada, tornando possível deduzir estratégias eficazes para sucessivos avanços no decorrer do longo caminho de transição para o socialismo. Por esta razão, ele distingue e liga as três dimensões da realidade: os povos, nações, Estados.
O povo (as classes populares) "quer a revolução". Isso significa que é possível construir um bloco hegemônico que carregue consigo as diferentes classes dominadas e exploradas, em oposição àquilo que permite a reprodução do sistema de dominação do capitalismo imperialista, exercido pelo hegemônico bloco comprador e o Estado a seu serviço.
A menção das nações se refere ao fato de que a dominação imperialista nega a dignidade das "nações" (chamem do modo que preferir), forjada pela história das sociedades periféricas. Essa dominação tem sistematicamente destruído todas as nações que dão a sua originalidade – em nome da "Ocidentalização" e da proliferação de lixo barato. A libertação do povo é, portanto, inseparável da libertação das nações a que pertencem. E esta é a razão pela qual o maoismo substituiu o slogan curto, "Proletários do mundo todo, uni-vos!" por um mais abrangente: "Proletários de todos os países e povos oprimidos, uni-vos!" As nações querem que sua "libertação" seja vista como complementar e não conflituosa com a luta do povo. A liberação em questão não é, portanto, a restauração do passado – a ilusão fomentada por uma penhora culturalista ao passado – mas a invenção do futuro. Esta baseia-se na transformação radical do patrimônio histórico do país, ao invés da importação artificial de uma falsa modernidade. A cultura que é herdada e submetida ao teste de transformação é entendida aqui como cultura política – dos cuidados a serem tomados, para não usar o termo indiferenciado da "cultura" (incluindo a "religiosa" e inúmeras outras formas), o que não significa nada, porque a cultura genuína não é abstrata, nem é uma invariante histórica.
A referência ao Estado é necessariamente a base no reconhecimento da relativa autonomia de poder em suas relações com o bloco hegemônico, essa é a base de sua legitimidade, mesmo que esta seja popular e nacional. Esta relativa autonomia não pode ser ignorada enquanto o Estado existir, pelo menos enquanto durar a transição para o comunismo. É só depois disso que poderemos pensar em uma "sociedade sem Estado" – e não antes. E isso não é apenas devido ao fato de que os avanços populares e nacionais devem ser protegidos da constante agressão do imperialismo, que continua dominando o mundo, mas também, e acima de tudo, porque "para avançar na longa transição" é necessário "desenvolver as forças produtivas". Em outras palavras, o objetivo é conseguir aquilo que o imperialismo tem impedido nos países da periferia, e com isso eliminar a herança de polarização mundial, que é inseparável da expansão mundial do capitalismo histórico. O programa não é o mesmo que uma "captação" através de uma imitação do capitalismo central – uma captação que seria, a propósito, impossível, e acima de tudo, indesejável. Ele impõe uma diferente concepção de "modernização/industrialização", baseada em uma genuína participação das classes populares no seu processo de implementação, com imediatos benefícios para elas em cada estágio de avanço. Devemos rejeitar, portanto, o raciocínio dominante de que as pessoas devem esperar indefinidamente pelo desenvolvimento das forças produtivas até que essas criem as condições "necessárias" para uma passagem ao socialismo. Essas forças devem ser desenvolvidas desde o início, com a perspectiva de construção do socialismo. O poder do Estado, evidentemente, é o coração dos conflitos entre o "desenvolvimento" e o "socialismo".
"Os Estados querem independência". Isto deve ser visto como um objetivo duplo: independência (forma extrema de autonomia) frente às classes populares; independência mediante às pressões do sistema capitalista mundial. A "burguesia" (em termos gerais, a classe governante em cargos de direção do Estado, cujas ambições sempre tendem para uma evolução burguesa), é tanto a nacional quanto a entreguista. Se as circunstâncias lhes permitem reforçar a sua autonomia frente ao imperialismo dominante, elas optam por "defender os interesses nacionais". Mas, se as circunstâncias não o permitirem, eles vão optar pela submissão "entreguista" às exigências do imperialismo. A "nova classe governante" (ou "grupo governante") ainda está em uma posição ambígua, mesmo quando ela é baseada em um bloco popular, pelo fato de ser animado por uma tendência "burguesa", ao menos parcialmente.
A correta articulação da realidade nesses três estágios – povo, nação e Estado – é a condição de sucesso no progresso da longa estrada para a transição. É uma questão de reforçar a complementaridade dos avanços do povo, da libertação da nação e das realizações do poder do Estado. Mas se as contradições entre o agente popular e o agente de Estado permitem-se desenvolver, os avanços são finalmente condenados.
Haverá um impasse se um desses níveis não estiver interessado na articulação com os demais. A noção abstrata de "povo" como sendo a única entidade envolvida, e a tese do "movimento" abstrato, capaz de transformar o mundo sem se preocupar com a tomada do poder, são simplesmente ingênuas. A ideia de libertação nacional, "a todo custo" – vista como independente em relação ao bloco hegemônico – leva a ilusão cultural do apego ao irrecuperável passado (Islamismo político, Hinduísmo e Budismo são exemplos) que é, de fato, impotente. Isso gera uma noção de poder, concebido como sendo capaz de "alcançar conquistas" para o povo, mas que seja, de fato, para ser exercido sem eles. Portanto, leva à deriva para o autoritarismo e a cristalização de uma nova burguesia. O desvio do sovietismo, que evoluiu de um "capitalismo sem capitalistas" (capitalismo de Estado) para um "capitalismo com capitalistas", é o exemplo mais trágico desse.
Desde que os povos, nações e Estados da periferia não aceitam o sistema imperialista, o "Sul" é a "zona de tempestade" dos levantes e revoltas permanentes. Começando em 1917, a história tem constado principalmente essas revoltas e iniciativas independentes (no sentido da independência das tendências que dominam o sistema imperialista capitalista existente) dos povos, nações e Estados das periferias. São essas iniciativas, apesar de seus limites e contradições, que moldaram as transformações mais decisivas do mundo contemporâneo, muito mais do que o progresso das forças produtivas e as adaptações sociais relativamente fáceis que os acompanhavam nas áreas centrais do sistema.
A segunda onda de iniciativas independentes dos países do Sul já começou. Os países "emergentes" e outros, como os seus povos, estão lutando contra as formas em que o imperialismo coletivo da tríade tenta perpetuar a sua dominação. As intervenções militares de Washington e seus aliados subalternos da OTAN também se mostraram um fracasso. O sistema financeiro mundial está entrando em colapso e, em seu lugar, os sistemas autônomos regionais estão em processo de constituição. O monopólio tecnológico dos oligopólios foi frustrado.
Recuperar o controle sobre os recursos naturais é a ordem do dia. As nações andinas, vítimas do colonialismo interno que sucedeu a colonização estrangeira, estão se fazendo sentir em nível político.
As organizações populares e os partidos radicais de esquerda, em sua luta, já derrotaram alguns programas liberais (na América Latina) ou já estão no caminho para derrotá-los. Essas iniciativas, que são, em primeiro lugar, fundamentalmente anti-imperialistas, são potencialmente capazes de comprometer-se com a longa estrada da transição para o socialismo.
Como esses dois futuros possíveis podem estar relacionados? O "outro mundo" que está em construção é sempre ambíguo: ele carrega o pior e o melhor consigo, os dois, "possíveis" (e não existem leis na história, anteriores à própria história para nos dar uma indicação). A primeira onda de iniciativa dos povos, nações e Estados da periferia teve lugar no século XX, até 1980. Qualquer análise de seus componentes, não faz sentido a menos que o pensamento seja dado às complementaridades e conflitos sobre a forma como os três níveis se relacionam entre si. A segunda onda de iniciativa da periferia já começou. Ela será mais efetiva? Ela chegará mais longe que sua predecessora?
Encerrando a crise do capitalismo?
As oligarquias no poder do sistema capitalista contemporâneo estão tentando restaurar o sistema para deixá-lo como antes da crise financeira de 2008. Para isso, eles precisam convencer as pessoas até um "consenso" que não conteste seu poder supremo. Para conseguir isso, eles estão dispostos a fazer algumas concessões retóricas sobre os desafios ecológicos (em particular sobre a questão do clima), pintando de verde a sua dominação, e até mesmo insinuando que eles vão levar a cabo reformas sociais (a guerra "contra a pobreza") e as reformas políticas ("boa governança"). Para tomar parte neste jogo, convencendo as pessoas da necessidade de se elaborar um novo consenso – mesmo definidos em termos que são claramente melhores – terminará em fracasso. Pior, pois ainda prolongará as ilusões fatais. Isso ocorre porque a resposta à contestação criada pela crise do sistema global, primeiro exige a transformação das relações de poder em benefício dos trabalhadores, bem como das relações internacionais em benefício dos povos das periferias. As Nações Unidas têm organizado uma série de conferências mundiais, que não resultaram em nada, como se poderia esperar.
A história provou que este é um requisito necessário. A resposta para a primeira longa crise do capitalismo desde seu envelhecimento teve seu lugar entre 1914 e 1950, principalmente através dos conflitos que opuseram os povos da periferia à dominação de forças imperiais, e em diferentes graus, através das relações internas que beneficiam as classes populares. Neste caminho, eles prepararam o caminho para os três sistemas do período Pós-Segunda Guerra Mundial: os socialismos realmente existentes da época, os regimes nacionais e populares de Bandung, e o compromisso social-democrata nos países do Norte, que tinha sido feito especialmente necessário pelas iniciativas independentes dos povos das periferias.
Em 2008 a segunda longa crise do capitalismo foi para uma nova fase. Violentos conflitos internacionais já começaram e se tornaram visíveis: eles irão contestar a dominação dos monopólios generalizados, baseados em posições anti-imperialistas? Como eles irão se relacionar com as lutas políticas das vítimas das austeridades políticas persuadidas pelas classes dominantes, em resposta a crise? Em outras palavras, será que as pessoas empregarão uma estratégia de desvinculação do capitalismo em crise, ao invés de uma estratégia para livrar o sistema da crise, seguida pelos poderes constituídos?
Os ideólogos que servem energia estão perdendo o gás, fazendo comentários fúteis acerca do "mundo depois da crise". A CIA só pode prever a restauração do sistema – atribuindo maior participação aos "mercados emergentes" em uma globalização liberal em detrimento da Europa, ao invés dos Estados Unidos. São incapazes de reconhecer que o aprofundamento da crise não será "superado" exceto através de violentos conflitos internacionais e sociais. Ninguém sabe como isso pode terminar: pode ser para melhor (progresso em direção ao socialismo) pode ser para pior (apartheid mundial).
A radicalização política das lutas sociais é a condição para a superação de sua fragmentação interna e de sua exclusiva estratégia de defesa ("benefícios de salvaguarda social") Somente desta forma será possível identificar os objetivos necessários para realização da longa estrada para o socialismo. Apenas isso permitira os "movimentos" de criarem uma real autonomia.
A autonomia dos movimentos exige um conjunto de condições macropolíticas e econômicas que tornem os seus projetos concretos viáveis. Como criar estas condições? Aqui chegamos à questão central do poder do Estado. Será que um Estado renovado, verdadeiramente popular e democrático, é capaz de levar a cabo políticas efetivas nas condições globalizadas do mundo contemporâneo? Uma resposta imediata e negativa da esquerda levou a pedidos de iniciativas para alcançar um consenso mínimo global, como base para a mudança política universal, contornando o Estado. Essa resposta e seu corolário estão se mostrando infrutíferos. Não há outra solução senão gerar avanços a nível nacional, talvez reforçado pela ação adequada a nível regional. Eles devem ter por objetivo o desmantelamento do sistema mundial ("dissociação") antes da eventual reconstrução, numa base social diferente, com a perspectiva de ir além do capitalismo. O princípio é válido tanto para os países do Sul que, aliás, já começaram a avançar nesse sentido na Ásia e América Latina, quanto para os países do Norte, onde, infelizmente, a necessidade de desmantelar as instituições europeias (e a do euro) não está ainda prevista, até mesmo pela esquerda radical.
A indispensável internacionalização dos trabalhadores e dos povos
Os limites dos avanços feitos pelo despertar do Sul, no século XX, e a exacerbação das contradições resultante foram a causa da perda de ímpeto da primeira onda de liberação. Ela foi grandemente reforçada por uma permanente hostilidade dos Estados no centro imperialista, que chegou ao ponto de travar uma guerra aberta – isso deve ser dito - que foi apoiada, ou pelo menos aceita, pelos povos do Norte. Os benefícios da renda imperialista foram certamente um importante fator dessa rejeição do internacionalismo pelas forças populares do Norte. As minorias comunistas, que adotaram outra atitude, as vezes fortes, ao mesmo tempo, falhou na tentativa de construir blocos alternativos em torno de si mesmos. E a passagem em massa dos partidos socialistas para o campo "anticomunista" contribuiu largamente para o sucesso das potências capitalistas no campo imperialista. No entanto, esses partidos não foram "recompensados", pois, precisamente no dia depois do colapso da primeira onda de lutas do século XX, o capitalismo monopolista se livrou de sua aliança. Eles não aprenderam a lição da derrota por radicalizar-se, pelo contrário, eles escolheram capitular resvalando para o "social-liberal", posições com as quais estamos familiarizados. Esta é a prova, se tal fosse necessário, o papel determinante da renda imperialista na reprodução das sociedades do Norte. Assim, a segunda capitulação não foi tanto uma tragédia mas uma farsa.
A derrota do internacionalismo compartilha parte de sua responsabilidade com as manobras autoritárias em direção à autocracia nas experiências socialistas do século passado. A explosão das inventivas expressões de democracia durante o curso das Revoluções Chinesa e Russa, desmente o confortável julgamento de que estes países não estavam "prontos" para a democracia. A hostilidade dos países imperialistas, facilitada pelo suporte de seus povos, contribuiu largamente para a perseguição do socialismo democrático, mesmo nas condições mais difíceis, que já estavam difíceis, uma consequência da herança do capitalismo periférico.
Assim, a segunda onda de despertar dos povos, nações e Estados das periferias no século XXI começa em condições que são dificilmente melhores, de fato, que são ainda piores. A característica da ideologia dos EUA chamada de "consenso" (que significa submissão para as exigências do poder do capitalismo monopolista generalizado); a adoção dos regimes políticos "presidenciais" que destrói a eficácia do anti-establishment da democracia; o elogio indiscriminado de um falso individualismo manipulado, juntamente com a desigualdade (vista como virtude); a unificação dos países subalternos à OTAN para as estratégias implementadas pelo establishment de Washington – tudo isso fazendo progressos rápidos na União Europeia que não pode ser, nessas condições, nada além do que é, um bloco constitutivo da globalização imperialista.
Nesta situação, o colapso do projeto militar se torna a prioridade e condição preliminar para o sucesso da segunda onda de libertação a ser realizada através das lutas dos povos, nações e estados dos três continentes. Até que isso aconteça, seus avanços presentes e futuros permanecerão vulneráveis. Um possível remake do século XX não deve, portanto, ser excluído, mesmo que, obviamente, as condições de nossa época sejam bastante diferentes daquelas do século passado.
Esse cenário trágico não é, contudo, o único possível. A ofensiva do capital contra os trabalhadores já está em curso rumo ao coração do sistema. Esta é a prova, caso fosse necessário, que o capital, quando é reforçado por suas vitórias contra os povos da periferia, então é capaz de atacar frontalmente as posições das classes trabalhadoras dos centros do sistema. Nesta situação, já não é impossível visualizar a radicalização das lutas. A herança de culturas políticas europeias ainda não está perdida, e deve facilitar o renascimento de uma consciência internacional que atenda aos requisitos da sua globalização. Uma evolução nesse sentido, no entanto, esbarra no obstáculo da renda imperialista.
Este não é apenas uma grande fonte de lucros extraordinários para os monopólios, mas também as condições da reprodução da sociedade como um todo. E, com o apoio indireto dos elementos populares, que procuram preservar a todo custo o atual modelo eleitoral de "democracia" (mas na realidade não democrática), o peso das classes médias, com toda a probabilidade, pode destruir a força potencial decorrente da radicalização das classes populares. Devido a isso, é provável que o progresso no sul tricontinental continuará a estar na vanguarda da cena, como no século passado. No entanto, logo que os avanços têm tido os seus efeitos e seriamente restringido a medida da renda imperialista, os povos do Norte devem estar em uma melhor posição para compreender o fracasso das estratégias que submetem às exigências dos monopólios imperialistas generalizados. As forças políticas e ideológicas da esquerda radical deverá então tomar o seu lugar neste grande movimento de libertação, construído sobre a solidariedade dos povos e dos trabalhadores.
A batalha ideológica e cultural é decisiva para esse renascimento – que tenho resumido como o objetivo estratégico para a construção de uma Quinta Internacional dos trabalhadores e dos povos.
Traduzido para Diário Liberdade por E. R. Saracino